Caso prefira, você encontrará todo esse material, em inglês, no site do Developer Android. A tradução e comentários dos materiais eu faço livremente para ajudar a comunidade que fala português.

terça-feira, 8 de novembro de 2011

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Últimas palavras de Steve Jobs

Eu sei que esse aqui é um blog que trata do Android. E, apesar de já ter passado um certo tempo desde a morte do Steve Jobs, eu decidi traduzir o que a irmã dele, Mona Simpson, disse sobre ele. Eu li vários obituários a respeito dele mas todos eles se dedicavam a falar do quão visionário ele foi, etc, etc.

Não era exatamente o que eu queria ler sobre ele. Procurando saber mais sobre o Steve Jobs e sobre sua vida, cheguei inclusive a ouvir o audiobook no original, em inglês (para me poupar tempo dado que para parar e ler um livro de papel ou mesmo no tablet é complicado).

Mas nenhum obituário foi mais esclarecedor do que o que a irmã dele disse nas páginas de opinião do The New York Times. Nele, ela fala um pouco da figura humana dele. Pensando que não teríamos um ecossistema tão rico e fascinante como o Android sem que houvesse um Steve Jobs no mundo (ou talvez tivéssemos mas talvez não fosse tão bom assim) e, arriscando receber alguns comentários me criticando, faço a tradução livre do texto que pode ser encontrado aqui.

"Eu cresci como filha única, com uma mãe solteira. Como nós éramos pobres e porque meu pai emigrou da Siria, eu imagina que ele se parecia com o Omar Sharif. Eu tinha a esperança que ele fosse rico e bondoso e que entrasse em nossas vidas (e em nosso apartamento não tão bem mobiliado assim) e nos ajudasse. Mas, depois que conheci meu pai, eu tentei acreditar que ele mudaria seu número e nos deixaria sem nenhum endereço pois ele seria um revolucionário idealístico que pensava em um novo mundo para as pessoas árabes.

Mesmo como uma feminista, por toda a minha vida eu fiquei esperando por um homem para amar e que pudesse me amar. Por décadas eu pensei que esse homem seria meu pai. Quando eu tinha 25 anos eu conheci esse homem e ele era o meu irmão.

Nessa época em morava em Nova Iorque, onde eu estava tentando escrever meu primeiro livro. Eu tinha um trabalho em uma pequena revista em um escritório do tamanho de um closet, com três outros aspirantes a escritor. Quando um dia um advogado me chamou - logo eu, uma garota de classe média da Califórnia que tentava fazê-lo nos pagar um plano de saúde - e que disse que seu cliente era rico e famoso e que era meu irmão há tempos perdido, os jovens editores ficaram loucos. Isso foi em 1985 e nós trabalhávamos em uma revista de ponta sobre literatura, mas eu me achei dentro de um livro de Dickens e, bem, nós sempre amamos o melhor. O advogado se recusou a me dizer qual era o nome do meu irmão e meus colegas logo começaram a fazer apostas. O candidato que liderava: Jonh Travolta. Eu secretamente esperava que fosse alguém descendente de Henry James - alguém mais talentoso que eu, alguém brilhante.

Quando conheci Steve, ele era um cara da minha idade e que usava jeans, parecido com árabe ou judeu e mais bonito que Omar Sharif.

Nós fizemos uma longa caminhada - algo que ambos gostávamos de fazer. Eu não lembro muito do que dissemos um ao outro no primeiro dia mas eu senti nele alguém que eu poderia pegar para ser um amigo. Ele explicou que trabalhava com computadores.

Eu não sabia muito sobre computadores. Eu ainda trabalhava com uma máquina de escrever Olivetti.

Eu disse ao Steve que eu estava considerando a minha primeira compra de um computador: algo chamado Cromemco.

Steve me disse que seria uma boa coisa esperar um pouco. Ele disse que estava fazendo algo que seria insanamente lindo.

Eu quero dizer algumas coisas que eu aprendi com o Steve durante três períodos distintos dentro dos 27 anos que o conheci. Esses não são períodos de anos mas estados do ser ele mesmo. Sua vida inteira. Sua doença. Ele morrendo.

Steve trabalhou duro no que ele amava. Ele trabalho muito duro. Todos os dias.

Isso é incrivelmente simples mas verdadeiro.

Ele era o oposto de uma mente ausente.

Ele nunca ficava embarassado em trabalhar duro, mesmo que os resultados fossem falhas. Se alguém tão inteligente quanto Steve não tinha vergonha de admitir a tentativa, então eu talvez não devesse ter também vergonha.

Quando ele foi expulso da Apple, as coisas ficaram doloridas. Ele me disse de um jantar nos quais 500 lideres foram convidados a se encontrar com o então presidente. Steve não foi convidado.

Mesmo machucado, ele foi trabalhar todos os dias na Next. Todo santo dia.

Novidade não era o seu maior valor. Beleza sim.

Para um inovador, Steve era leal. Se ele gostava de uma camisa, ele pediria 10 ou 100 delas! Na casa dele em Palo Alto existem provavelmente camisas gola rolê suficientes para todos em sua Igreja.

Ele não favorecia tendências. Ele gostava de pessoas de sua idade.

Sua filosofia e estética me lembra de algo que ele gostava de dizer: 'Moda é o que parece bonito mas se parece feio depois; arte pode ser feio no início mas se torna bonito depois.'

Steve sempre era inspirado em fazer coisas que ficassem bonitas depois.

Ele queria não ser compreendido, em início.

Não tendo sido convidado para o jantar, ele dirigiu para a Next onde ele e seu time tranquilamente inventavam a plataforma onde Tim Berners-Lee escreveria o programa que se tornaria a World Wide Web.

Steve era como uma garota se considerarmos o tempo que ele passava pensando em amor. Amor era sua virtude suprema, seu deus entre os deuses. Ele sabia e se preocupava sobre as vidas românticas de todas as pessoas que trabalhavam com ele.

Quando ele encontrava um homem que ele pensasse que mulheres gostariam, ele chamava e perguntava: 'Você é solteiro? Não quer vir jantar com minha irmã?'

Eu lembro quando ele me telefonou no dia em que conheceu Laurene (n.t. Que se tornou sua esposa): 'Conheci uma mulher linda e ela é realmente inteligente e tem um cachorro e, sinceramente, vou me casar com ela.'

Quando Reed nasceu (n.t. seu primeiro filho), ele começou a transbordava felicidade. Ele era um pai físico com cada um de seus filhos. Ele ficava de olho nos namorados de Lisa e nas viagens de Erin ou nas roupas curtas e na segurança de Eve perto dos cavalos que ela adorava.

Nenhum de nós que foi até a festa de graduação de Reed nunca se esquecerá dele dançando com Steve numa música lenta.

Seu amor por Laurene o sustentava. Ele acreditava que o amor acontecia o tempo todo, em qualquer lugar. De maneira mais importante, Steve nunca era irônico, nunca era cínico, nunca pessimista. Eu ainda tento, no entanto, aprender com isso.

Steve teve sucesso em uma idade muito nova e ele sentiu que isso o isolou. Muitas das escolhas que ele fez desde que eu o conheci foram voltadas a dissolver o muro que havia ao redor dele. Um garoto de classe média de Los Altos, ele se apaixonou por uma garota de classe média de Nova Jersey. Era importante a ambos (n.t. Ao Steve e a Laurene) criar Lisa, Reed, Erin e Eve como crianças normais. A sua casa não era intimidante com artes ou polidez; de fato, em muitos dos primeiros anos em que eu vi Steve e Laurene juntos, o jantar era servido na grama e, algumas vezes, consistia de apenas um vegetal. Muitos desse único vegetal. Mas apenas um. Brocolis. Na estação. Preparado de maneira simples. Com apenas uma erva correta para cada tipo.

Mesmo como um milionário novo, Steve sempre me buscava no aeroporto. Ele sempre ia para lá com seus jeans.

Quando um membro da família ligava, sua secretária Linetta respondia: "Seu pai está em uma reunião. Gostaria que eu interrompesse?"

Quando Reed insistia em se fantasiar de bruxo nos Halloweens, Steve, Laurene, Erin e Eve iam todos de wiccan.

Uma vez eles embarcaram na remodelagem da cozinha; isso tomou anos. Eles cozinhavam na garagem. O prédio da Pixar, em construção desde esse período, finalizou-se em metade do tempo. E era assim para a casa de Palo Alto. Os banheiros se mantiveram os velhos. Mas - e aqui há uma distinção crucial - era uma casa magnífica de se iniciar e Steve viu isso nela.

Não é que ele não gostasse do seu sucesso: ele gostava muito do sucesso mas apenas com uns zeros à menos. Ele me disse que adorava ir até uma loja de bicicletas em Palo Alto e perceber, com muita felicidade, que poderia comprar a melhor bicicleta.

E ele comprava.

Steve era humilde. Ele sempre gostava de se manter aprendendo.

Uma vez ele me disse que se tivesse crescido de maneira diferente talvez tivesse sido matemático. Ele falava com reverência sobre colegas e adorava andar pelo campus da Universidade de Stanford. No último ano de sua vida, ele estudou um livro de pinturas de Mark Rothko, um artista que eu não conhecia até então, pensando no quanto isso poderia inspirar as pessoas se tais pinturas fossem colocadas nas paredes de um futuro campus da Apple.

Steve cultivava caprichos. Que outro CEO conhecia a história do chá inglês e chinês e ainda tinha uma flor preferida de David Austin?

Ele tinha surpresas sempre escondidas em seus bolsos. Eu entendo que Laurene ainda descobrirá essas surpresas - músicas que ele amava, um poema que ele havia colocado em sua escrivaninha - mesmo depois de um casamento extraordinário de 20 anos. Eu falava com ele quase todos os dias mas quando eu abri o The New York Times e vi uma reportagem sobre as patentes da companhia, eu ainda fiquei surpresa e impressionada de ver um desenho de uma escada perfeita.

Com seus quatro filhos, com sua esposa, com todos nós, Steve se divertiu muito.

Ele tinha na felicidade seu maior tesouro.

Então Steve ficou doente e nós vimos sua vida se comprimir em um círculo ainda menor. Antes, ele adorava andar em Paris. Ele descobriu também uma casa de Soba em Kyoto. Ele esquiava graciosamente. Não mais.

Eventualmente, mesmo prazeres simples, como um bom pêssego, não parecia mais tão bom para ele.

Ainda assim, o que mais me impressionava, e o que ele aprendia com sua doença, era o quando ainda havia mesmo com tanto tendo sido tomado dele.

Eu lembro do meu irmão aprendendo a andar novamente, com uma cadeira. Após o transplante de fígado, ona vez ao dia ele se levantava sobre pernas que pareciam muito finas para sustentá-lo com seus braços seguros na cadeira. Ele empurava sua cadeira nos corredores do hospital de Memphis até a enfermaria e então ele se sentada, descansava, se virava e voltava andando novamente. Ele contava seus passos e, a cada dia, tentava caminhar um pouco mais.

Laurene se abaixava e, de joelhos, dizia olhando nos olhos dele:

"Steve, você não pode fazer isso.". Seus olhos abriam. Seus lábios ficavam pressionados um contra o outro.

Ele tentava. Ele sempre, sempre tentava e sempre com amor no centro dos seus esforços. Ele era um homem intensamente emocional.

Eu percebi isso durando o tempo assustador em que Steve não aguentava a dor. Ele tinha alguns objetivos (n.t. que o faziam perseverar na luta contra o câncer): a graduação de Reed, a viagem de Erin para Kyoto, o lançamento do barco que ele estava construindo e no qual ele planejava levar sua família para uma viagem ao redor do mundo e onde ele tinha a esperança de se aposentar com Laurene algum dia.

Mesmo doente, seu gosto, seu discernimento e julgamento se mantiveram. Ele trocou 67 vezes de enfermeira até encontrar almas que ele gostasse e assim ele confiava completamente nos três que se mantiveram com ele até o fim: Tracy, Arturu e Elham.

Uma vez quando Steve contraiu uma pneumonia o seu doutor o proibiu de tudo - mesmo gelo. Nós estávamos em uma UTI padrão. Steve, que normalmente odiava cortar fila ou mesmo se prevalecer de quem ele era, confessou naquela ocasião que ele gostaria de ser tratado de maneira um pouco mais especial.

Eu disse a ele: "Steve, esse é um tratamento especial."

Ele se curvou até mim e disse: "Eu queria que fosse um pouquinho mais especial."

Entubado, quando ele não podia falar, ele pediu um caderno. Ele desenhou um dispositivo para poder segurar um iPad no hospital. Ele desenhou também novos monitores de fluídos e um equipamento de raios-x. Ele redesenhou aquela unidade hospitalar não especial toda. E a cada vez que sua esposa entrava no quarto, ele percebia que um sorriso se formava novamente em sua face.

Para as coisas grandes, você tem de acreditar em mim, ele escrevia em seu caderno. Ele olhava para mim. E você tinha que olhar para ele.

Com aquilo, ele queria dizer que nós deveríamos desobedecer os doutores e dar a ele um pedaço de gelo.

Nenhum de nós sabe realmente ao certo quanto tempo ficaremos por aqui. Nos dias em que Steve estava melhor, mesmo no ano passado, ele embarcava em projetos e promessas de seus amigos na Apple para que terminasse tal projeto. Uns construtores de barcos na Holanda tinham um casco de aço inoxidável pronto para ser coberto com madeira. Suas três continuam solteiras, sendo as duas mais novas ainda garotas, e ele queria andar comigo no dia do meu casamento.

Todos nós, no final, morremos no meio de estórias. De muitas estórias.

Eu suponho que não seja supresa a morte de alguém que viveu com câncer por tantos anos, mas a morte de Steve foi inexperada para nós.

O que eu aprendi com a morte do meu irmão foi que o caráter é essencial: o que ele era, era como ele morreu.

Na terça de manhça ele me ligou pedindo que eu corresse para a casa dele. Seu tom era afetuoso, amável, mas como alguém cuja bagagem já estava sendo levada para outro local, de quem estava já dando início a sua jornada final e mesmo de alguém que estava sentindo, sentindo muito mesmo, por estar nos deixando.

Ele começou a dar o seu adeus e eu parei. Eu disse: "Espere, eu estou indo para ai. Já estou no taxi para o aerporto. Eu estarei ai."

"Eu estou dizendo isso tudo pois estou com medo de você não chegar aqui a tempo, minha querida."

Quando eu cheguei em sua casa ele estava com Laurene, rindo juntos como parceiros que viveram e trabalharam juntos cada dia de suas vidas. Ele olhava nos olhos de seus filhos como se não pudesse deixar de vê-los.

Até duas da tarde, sua esposa podia despertá-lo para falar com algum amigo da Apple.

Então, após um tempo, estava claro que ele não iria mais despertar.

Sua respiração mudou. Ela se tornou severa, deliberada, propositada. Eu podia sentí-lo contando seus passos novamente, tentando mais e mais que antes.

Isso é o que eu aprendi: ele estava trabalhando isso, também.  A morte não aconteceu para Steve, ele a conquistou.

Ele me disse, quando estava dando o adeus e me contando o quanto ele sentia que não poderia ficar velho juno comigo como ele sempre planejou e que ele estaria indo para um lugar melhor.

O Dr. Fischer nos deu 50% de chances dele não passar daquela noite.

Mas ele se segurou a noite, com Laurene ao lado dele na cama em que, de vez em quando, ela se levantava, assustada quando havia uma longa pausa entre suas respirações. Ela e ele se olhavam e então ele dava uma respirada profunda e começava novamente.

Isso tinha de ser feito. Mesmo agora, ele tinha um perfil severo, bonito, o perfil absolutista, um romântico. Sua respiração indicava sua jornada arduosa, um caminho longo, para a altitude.

Ele parecia estar escalando.

Mesmo com essa vontade, o seu trabalho ético, a sua força, havia algo mais doce na capacidade de Steve de se maravilhar, com a sua crença no ideal, o mais bonito após um tempo.

As palavras finais de Steve, horas antes, foram monossílabos, repetivos três vezes.

Antes de embarcar, ele olhou para sua irmã Patty, então olhou longamente para seus filhos, então para sua parceira de vida, Laurene, e então olhou para longe, por cima dos ombros deles.

As palavras finais de Steve foram:

OH WOW. OH WOW. OH WOW."

(n.t. OH WOW é um sinal de admiração. Ele estava se admirando das coisas mais importantes de sua vida, sua família).

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